O uso excessivo de procedimentos médicos no Sistema de Saúde

Problema comum nos mais diferentes países, independentemente do nível de desenvolvimento econômico, o uso excessivo de procedimentos médicos inclui, por exemplo, exames e internações desnecessárias, além do uso indevido de medicamentos, que levam a problemas como a resistência bacteriana aos antibióticos, entre outros.


São práticas que elevam os custos da assistência à saúde e não trazem nenhum benefício para o paciente. Em alguns casos, pelo contrário, acabam prejudicando o tratamento.


Afinal, o que caracteriza o uso excessivo de serviços médicos?
A tarefa não é fácil já que o próprio conceito de uso excessivo é complexo, e, portanto, difícil de ser mensurado.


Mas, segundo alguns pesquisadores, pode ser considerado excessivo toda provisão de serviços médicos cujo potencial de prejuízo excede o potencial de benefício.


Contudo, a identificação dos excessos através da documentação sobre a prestação inadequada de serviços é uma tarefa desafiadora, pois é difícil definir cuidados adequados para o conjunto dos pacientes, uma vez que as preferências e necessidades são individuais.


Apesar dos desafios na sua mensuração, a alta prevalência do uso excessivo de procedimentos médicos está bem documentada nos países de alta renda e é cada vez mais reconhecida em países de baixa renda.


Nos EUA, a avaliação dos recursos comprometidos com serviços desnecessários varia amplamente, dependendo da fonte. As estimativas conservadoras baseadas na medição direta de serviços individuais indicam algo entre 6% a 8% do total de gastos com cuidados de saúde.

O Brasil (ao lado da Austrália, Israel, Irã e Espanha) está entre os países que mais abusa de práticas médicas desnecessárias. Em algumas populações, o uso excessivo de serviços médicos pode atingir 89% do total dos gastos de saúde.

Outro fato importante é de que o consumo global de antibióticos cresceu 36% entre 2000 e 2010. Nesse contexto, as economias emergentes de países como Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul representaram 76% do aumento.


É válido ressaltar que os excessos no uso dos serviços podem coexistir com outras demandas não atendidas na área de saúde, particularmente nos países de menor renda.

Por que o excesso na oferta de serviços é um problema?
Em vez de auxiliar no tratamento, a prestação de serviços desnecessários pode prejudicar os pacientes tanto física quanto psicologicamente, além de representar um desperdício de recursos para os sistemas de saúde.


Poucos estudos documentaram diretamente os danos causados ao paciente por excesso de uso dos serviços de saúde. No entanto, estimativas podem ser inferidas a partir de dados sobre eventos adversos e estudos sobre o uso excessivo de determinados tratamentos.


Um desses estudos analisou dados globais sobre os resultados de artroplastia total de joelho e quadril, identificando que cerca de 8% desses procedimentos resulta em eventos adversos graves para o paciente. Entre eles, infecção grave, revisão do procedimento, problemas cardiovasculares e morte. Outros pesquisadores estimam que mais de 20% das substituições totais de joelho na Espanha e 30% nos EUA são desnecessárias.

Outros exemplos de danos físicos causados por excessos no tratamento de saúde:

  • O uso dos filtros de veia cava implantáveis também pode ser considerado excessivo, pois as baixas taxas de remoção apropriada desse dispositivo causam complicações trombóticas venosas em 10% dos pacientes que os recebem.
  • Na Coréia do Sul, o excesso na realização de ultrassonografias aumentou em 15 vezes a incidência de câncer de tireoide entre a população.
  • O uso continuado de um rígido controle medicamentoso da glicemia, mesmo com a evidência de que isso provoca altas taxas de complicações hipoglicêmicas sem redução considerável na mortalidade dos pacientes.

O dano psicológico dos procedimentos desnecessários
Vários pesquisadores da área de saúde já observaram que o tratamento no hospital pode levar ao isolamento físico desnecessário dos pacientes, trazendo consequências negativas que incluem solidão, sentimentos de estigmatização e depressão. Portanto, investir na desospitalização e no homecare podem ser boas alternativas.


No caso dos exames de rastreamento do câncer de mama, o número excessivo de mamografias pode levar ao falso diagnóstico de lesões cancerosas, tais como como o carcinoma ductal in situ, que têm sido associada ao desenvolvimento de um quadro de ansiedade e procedimentos cirúrgicos desnessários.


Outra forma de dano psicológico acontece nos casos de pacientes que acabam sendo identificados como “doentes” pelo resultado procedimentos desnecessários. Uma pesquisa realizada nos EUA em 1967 analisou adolescentes com diagnóstico de sopro cardíaco, condição que foi posteriormente avaliada como “inofensiva”. Entre estes jovens desnecessariamente rotulados, 40% continuaram a ter atividade física restrita e 63% disseram que seus pais continuaram acreditando que eles não eram saudáveis.

O alto custo para os sistemas de saúde
Embora existam poucas medidas diretas da proporção de gastos com cuidados de saúde atribuíveis ao uso excessivo de procedimentos médicos, há evidências que sugerem que este custo pode ser considerável.


Especialistas na área estimam que tais excessos contribuem substancialmente para os gastos com cuidados de saúde nos EUA. Com base em uma estimativa conservadora, em 2013 os EUA gastaram pelo menos US$ 270 bilhões em cuidados que poderiam ser definidos desnecessários, ao mesmo tempo em que existem milhões de americanos sem acesso aos cuidados básicos de saúde.


Um estudo sobre o uso inadequado de exames ósseos nos EUA entre beneficiários com câncer de próstata descobriu que 21% dos pacientes com baixo risco e 48% dos pacientes com risco moderado de metástase óssea foram submetidos a pelo menos uma tomografia, com um custo anual de US$ 11,3 milhões. E isso apesar de haver diversas recomendações médicas contra a realização de tomografias nesses grupos.


No Brasil, segundo pesquisa publicada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), as despesas com internações foram as principais responsáveis por um aumento de 19,3% no índice de variação de custos médico-hospitalares (VHCM/IESS) em 2016. Segundo a pesquisa, as internações respondem sozinhas pelo aumento de 10,7 pontos percentuais no índice.

Como medir os excessos no uso de serviços de saúde?
O problema é que as evidências para a definição de cuidados adequados são escassas em muitas situações clínicas, impedindo uma avaliação precisa. E mesmo que as evidências estejam disponíveis, os detalhes necessários para definir a adequação dos cuidados em pacientes individuais muitas vezes estão ausentes das diretrizes. Ao mesmo tempo, um processo iterativo de discussões capaz de incorporar mais nuances é algo dispendioso e demorado.


Nos últimos anos, o avanço da tecnologia tornou mais fácil mensurar o uso excessivo em alguns contextos. Utilizando registros eletrônicos e sistemas que facilitam a gestão desses dados, os gestores de saúde podem acompanhar de perto a utilização de determinado serviço, avaliando seus benefícios e eventuais prejuízos de forma muito mais eficaz.


E no seu local de trabalho? Existe alguma iniciativa para prevenir o uso excessivo de procedimentos médicos?

Não devemos deixar para amanhã uma questão tão importante. Invista na prática da medicina baseada em evidência para poder avaliar, planejar e decidir de forma estratégica qual caminho se deve tomar. Conte com serviços da Cognos para desenvolver essa tarefa!

Outras informações podem ser obtidas no site da iniciativa conhecida como “Choosing Wisely” https://www.choosingwisely.org ou nas fontes consultadas para este conteúdo:

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(16)32585-5/fulltext
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21290028/
https://www.redjournal.org/article/S0360-3016(13)03241-0/fulltext
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/5700
https://explorece.wolterskluwer.com/UpToDateBrasil